Silva-Neto venceu, a partir de 2013, cinco projetos científicos sobre o Aedes e a doença de Chagas. Segundo a previsão dos editais, deveria receber cerca de R$ 1,4 milhão. No entanto, os repasses sempre ocorreram com, no mínimo, seis meses de atraso. Apenas um dos trabalhos obteve todos os recursos necessários para sua conclusão. Outro, o “Flower Power” — a menina-dos-olhos do cientista — não ganhou sequer um centavo. A verba que havia sido aprovada para sua realização, assim como para a finalização dos demais estudos, não será mais liberada pela fundação estadual devido aos cortes orçamentários impostos pelo governo.
Pouco depois da morte do cientista, em maio, sua mulher, a bioquímica
Georgia Atella, iniciou uma força-tarefa para cancelar a compra de materiais
realizada pelo marido — incluindo insumos encomendados em instituições
estrangeiras. Se chegassem ao laboratório, ela seria obrigada a pagar do
próprio bolso.
O estatuto da Faperj determina que, em caso de morte do pesquisador
principal, a devolução da verba deve ser efetuada. Diversos professores e
departamentos da UFRJ, inclusive a vice-reitoria, apelaram para que a fundação
não congelasse a verba de Silva-Neto, destinando-a para Georgia, chefe do Laboratório
de Bioquímica de Lipídios e Lipoproteínas, um dos doze colaboradores envolvidos
com os projetos do bioquímico.
Ao GLOBO, a fundação estadual afirmou
que o vice-coordenador dos projetos poderia ganhar uma procuração para acessar
as verbas necessárias para os projetos, caso houvesse um acordo entre todos os
membros da equipe. Mas isso ainda não aconteceu.
— Infelizmente quando morrem os
pesquisadores, morrem suas ideias. Não conseguiremos dar continuidade aos
projetos — lamenta Georgia. — O Mario fez, em parceria com a Fiocruz, uma
coleta de mosquitos Aedes em vários pontos da cidade.
Sua intenção era
compará-los ao Aedes que usamos no laboratório, que vêm de países do Primeiro
Mundo e têm o DNA diferente. Esta iniciativa poderia nos ajudar a ver quais
moléculas podem tornar o Aedes “carioca” mais resistente ao inseticida do que o
outro, e de que forma conseguiríamos diminuir sua defesa aos produtos. Mas,
para realizar este sequenciamento genético, precisamos de R$ 73 mil. Não vamos
fazer. Não teremos estas respostas.
O projeto Flower Power teve a outorga —
o instrumento para concessão de auxílio financeiro — estabelecido em novembro
de 2015. No entanto, ainda não recebeu sua verba de R$ 175 mil. Segundo o
bioquímico Rodrigo Nunes, pesquisador de pós-doutorado no laboratório de
Silva-Neto, a proposta do cientista era “impedir a primeira picada do Aedes”.
— Usamos a maria-sem-vergonha, uma das
flores mais assediadas pelo Aedes, para estudar como ocorre a alimentação do
mosquito — explica. — No início de sua vida, o mosquito chupa primeiro a seiva
da planta e, depois, a fêmea começa a nos picar. O projeto consiste em
modificar geneticamente a planta para que ela possa desenvolver uma proteína na
seiva que impeça o inseto a buscar o sangue de um mamífero.
De acordo com Georgia, as plantas
ornamentais que passariam por esta experiência seriam distribuídas em locais
com maior circulação de pessoas, como jardins e condomínios. O grupo de pesquisadores
já havia conseguido uma patente para produzir sua planta em larga escala.
A equipe de Silva-Neto deve esperar a
abertura de novos editais de programas de fomento à pesquisa — como o CNPq e a
Finep, ambos do governo federal, além de outro da própria Faperj — para obter
os recursos necessários para a conclusão dos projetos idealizados pelo
bioquímico. No entanto, devido à crise econômica do país, as seleções podem
ocorrer apenas no ano que vem.
— Se a Faperj tivesse pago todas as
parcelas no momento certo, já teríamos recebido todo o dinheiro para as
pesquisas. Mas sempre lidamos com atrasos — destaca Rodrigo Nunes. — A troca de
coordenador de um projeto é comum nas agências federais, por isso perguntamos à
Faperj se precisávamos nomear alguém para realizar transações no lugar do
Mario, já que os repasses ocorrem por cheque nominal. E a resposta foi: “na
realidade vocês não gastam. Todo o dinheiro é devolvido”. Sendo assim, tudo que
foi planejado vai parar.
O cofre da equipe está quase zerado.
Georgia venceu dois editais no ano passado que lhe dariam R$ 1 milhão para
estudar enfermidades como doença de Chagas, malária, esquistossomose e
leishmaniose, mas os recursos não foram transferidos até agora. Os laboratórios
estão se sustentando através da taxa de bancada — uma verba criada pelas
agências de fomento para manter o funcionamento básico de suas estruturas. Os
repasses, porém, são irrisórios. O CNPq destina R$ 1 mil mensais; a Faperj, R$
2,8 mil, insuficiente para procedimentos como manutenção e compra de
equipamentos e insumos.
RETROCESSO DE ATÉ 20 ANOS
O orçamento da Faperj foi reduzido em
mais de 30% este ano, em relação a janeiro de 2016. Em cifras, quer dizer que o
pagamento de bolsas e o investimento em ciência e inovação, que era de cerca de
R$ 430 milhões, não ultrapassará a marca de R$ 300 milhões este ano. A
estimativa é que até 2 mil laboratórios podem ser fechados até dezembro — o que
poderia causar um retrocesso de até 20 anos na produção científica do estado,
segundo especialistas. Os centros de estudo fluminenses contribuem para 5% da
pesquisa mundial sobre o vírus da zika.
Fonte: Jornal O Globo
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