Augusto Raupp, presidente da fundação,
admite a dificuldade para honrar os financiamentos aprovados. Na edição de
ontem, O GLOBO revelou que um grupo de cientistas da UFRJ precisará devolver R$
570 mil que seriam aplicados em pesquisas sobre o mosquito Aedes
aegypti, vetor de doenças como dengue, zika e chicungunha, devido à morte
do líder da equipe, o bioquímico Mário Alberto Cardoso da Silva Neto.
— Temos muito interesse na continuação
desse projeto, porque, mesmo sem recursos, conseguiu resultados rápidos sobre
um tema prioritário — enfatiza Raupp. — Mas o termo de outorga, que estabelece
a administração da verba, é intransferível. Tudo é feito com base em uma pessoa
física, que, se não cumprir seus compromissos, será questionada no tribunal de
contas. Por isso, precisava ser o Mário. Talvez seja necessário criar regras
para possibilitar a eleição de novos coordenadores para os programas.
Segundo Raupp, os cofres vazios da
Faperj podem obrigar os laboratórios a viver apenas das bolsas que vão direto
para os pesquisadores. Não há dinheiro para ser encaminhado aos projetos.
— Desde 2015, não conseguimos pagar um
tostão para pesquisas. Para isso mudar, será necessário que estado e governo
federal firmem um regime de recuperação fiscal.
Chefe do Laboratório de Hanseníase da
Fiocruz, Milton Moraes tem projetos aprovados que não foram contemplados, e
outros cujo financiamento foi transferido pela Faperj para uma agência federal,
o CNPq. O cientista também conta com acordos internacionais para conduzir os
seus estudos.
— Vivemos uma crise, mas temos um
problema maior, que é o atual modelo de financiamento da pesquisa científica —
ressalta. — Muitos estudantes estão desmotivados porque o valor das bolsas de
estudo não é reajustado há muito tempo. Um doutorando, por exemplo, recebe
menos de R$ 3 mil. Então, depois de tantos anos de dedicação, eles preferem
abandonar sua carreira ou buscam emprego no exterior. As instituições
estrangeiras conseguem uma mão de obra extremamente qualificada sem praticamente
nenhum investimento.
Stevens Rehen, neurocientista da UFRJ e
do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, tem quatro projetos cujo financiamento
foi aprovado pela Faperj, embora ainda não tenham sido pagos.
— É o equivalente a R$ 1,2 milhão, e
não vou ver esse dinheiro — revela Rehen, que também comenta a retirada de
verbas dos pesquisadores da UFRJ que estudam o mosquito da dengue. — Deveria
haver algum mecanismo para identificar a viabilidade da continuação do projeto.
Se não existe, é por uma questão de burocracia.
Segundo Rehen, a estiagem recente
inibiu a presença do Aedes aegypti, mas o mosquito voltará em
breve, trazendo novamente enfermidades que assolarão o estado do Rio.
— Sem investimentos em pesquisa, não
saberemos como lidar com situações emergenciais, como epidemias causadas por um
vírus ou pelo aquecimento global — diz. — Em estudos anteriores, que foram
financiados pela Faperj, conseguimos destrinchar a relação entre a zika e a
microcefalia e propusemos a utilização de dois medicamentos. Agora, no entanto,
estamos indo para a contramão, e a ciência está cada vez mais invisível. Existe
a possibilidade de que, a longo prazo, a zika provoque alteração no genoma das
células, o que levaria a uma propensão maior a doenças mentais. Mas não
poderemos analisar essa hipótese, porque precisamos de investimento da Faperj.
Fonte: Jornal O Globo